Melhor seria não escrever. Será pouco. Faltará algo que restou tatuado no coração. É difícil traduzir em palavras o sentimento que explodiu no peito.
Estou exausto. Em êxtase. Tentei dormir. Meus olhos não pregam. Não descansam do sonho. Quem liga?
Houve um baile. Música. Éramos cinquenta mil espectadores. Ao vivo. Ouvidos e olhos atentos. Milhões também na telinha da tv. Um, dois, três a zero. Um show!! Adversário atordoado, na roda, nas cordas, mortalmente ferido.
A bola gira. Não para. O Flu joga lindo. Limpo. Meu sorriso não tem fim. Me alimento da energia que vem da arquibancada. E canto. Sinto encanto. Sinto e canto, enquanto me deslumbro com o renascimento do futebol. Ouço Diniz!! Diniz!! E a bola roda, tipo “bobinho”, de pé em pé.
Reverenciar o insano e perturbado técnico é uma prazeirosa obrigação. Nada lhe parece bom, a não ser a perfeição. Corajoso, talentoso e convicto, reeditou o futebol técnico. O verdadeiro futebol. Do passe, da posse. Do espetáculo. Foda-se o futebol de resultado. Diniz quer os olhos do torcedor brilhando de felicidade. Assim estão os meus até agora.
São três e meia da manhã. Continuo ligadão.
Recordo-me do exato momento em que o treinador desfez a lordose. Apontou para o banco e mandou chamá-lo. Meu coração pulou. Frisson. Com os pés fora do chão. Fred jogou o colete longe e veio em direção ao Diniz. Milhões de vozes ecoaram pelo mundo: “O FRED VAI TE PEGAR”.
Assim se vive: acertando e errando. Caindo. Levantando. Aprendendo. Tomando porrada, mas não desistindo. Crescendo. Evoluindo. Superando os desafios que a vida impõe.
Fred ouve os derradeiros conselhos. Nós, do alto da arquibancada, não queríamos mais nada. Apenas vê-lo ali. Jogar. Jogar junto. E recordar o tanto que esse cara nos deu alegrias. Sinto as lágrimas brotando em profusão. Incontroláveis. Há um mundo que chora de felicidade. E a vida, Fred, quando já não se tem a visão perfeita? Ela é maravilha ou é sofrimento? Ela é alegria ou lamento? O que é? O que é, meu irmão? Há quem fale que é um divino mistério profundo. Sopro do criador. Atitude repleta de amor.
Os deuses do futebol levantaram a placa. O roteiro estava criado. Ninguém podia imaginar. Pra lá de surpreendente. Fred entra em campo. O espetáculo há de ser completo. Hollywoodiano.
Exatos quarenta e seis minutos do segundo tempo. Martinelli invade a área corintiana. Levanta a cabeça e vê o movimento dos atacantes. Procura especificamente por Fred e rola a bola pra trás.
Frederico Chaves Guedes. Mineiro, dos chopps, dos caipsaquês, dos carros de luxo, das areias de Ipanema, depois das do Leblon, das mulheres, dos beijos pela janela do carro, da transformação, do temente a Deus, do evangélico, do conselheiro dos meninos, do amigo, do marido, do pai, do homem que formou um linda família. Do artilheiro e seu amor incondicional pelo Flu.
A história precisava ser justa e completa. Fazer justiça. Dar a Fred o que é de Fred. Ele chapa a bola e faz o quarto gol. Inesquecível. Histórico. História. O Maracanã desaba de emoção. Um gol pra eternidade. Fred eterno. No Olimpo. Os deuses o saúdam. O mundo tricolor delira.
Fred corre, sorri, ri e chora. Não se contém. Parece não acreditar. A torcida tricolor sorri, alucina, ri e chora. Parece não acreditar que são os últimos momentos de uma magistral e inesquecível história. De uma carreira brilhante. A ficha começa a cair.
Eu vi um menino correndo. Eu vi o tempo brincando ao redor do caminho daquele menino.
O ídolo vibra e reverencia uma gente que sempre lhe deu a mão. Colo. Embalou-o nos momentos mais dramáticos, por absoluto merecimento. Alvaro Chaves, 41, Bairro das Laranjeiras, satisfeito, sorri. Estranho seria se eu não me apaixonasse por você.
Fred. Ídolo. O maior deste século. Status de supra-humano. Um símbolo da imensa legião de fãs. Somos crianças e adultos, diante da imensidão deste super-herói. Quando ele armou e deu “aquela chapa” na bola, fez-se silêncio e luz. Estopa. Gol. Nossos corações explodiram. Naquele instante, vivemos os nossos melhores sonhos.
Durante uma vida, o Fluminense e o Fred nos empurraram pra Terra do Nunca. E nela nos estabelecemos, fixamos moradia, vivendo fantasias, alucinações, sonhos, delírios, cultuamos ídolos, mártires, super-heróis. Nos imaginamos com asas – ou capas – voando para um mundo mágico qualquer, de felicidade plena, por vezes muito longe daqui.
E na bruma leve das paixões que vêm de dentro, vos digo que até o próximo sábado não descerei deste mundo lúdico, dos devaneios, dos sonhos. Continuarei sorrindo, correndo, brincando de bola. Feito criança. Não quero – e nem vou – despertar para o fim que se avizinha. Tenho duas centenas de gols ecoando pela eternidade, para recordar. Porque gols são pra vida toda. Assim como o Fred.
Eterno.
Saudações Tricolores!!!!
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Heraldo Iunes