POESIA #POESIA


Curadoria e tradução de Floriano Martins

– Como é sua relação atual com o “surreachilismo” como disse Gonzalo Rojas, do qual você é parente?

– Continuo a aderir ao surrealismo como modo de vida e, sobretudo, aos ideais poéticos do surrealismo, continuo na ideia de que o surrealismo ativa uma rebelião da consciência e desautomatiza a percepção. Porém, também a partir de uma distância crítica ele reavaliou algumas técnicas surrealistas, e nesse sentido já não acredito muito na automatização dos procedimentos de escrita surrealista, embora haja pitadas de automatismo nos meus três livros. Sempre com esse distanciamento crítico, ele também reavaliou tudo o que foi atividade surrealista no Chile, de Mandrágora a Spill, porém, continuo pensando e me baseando nisso com base nos julgamentos de Octavio Paz, Benjamin Péret, Jacques Herold, que todas as atividades do Grupo Surrealista Mandrágora, tiveram uma importância capital ao nível do surrealismo latino-americano. Quanto ao [grupo] Derrame, embora o desaparecimento do grupo remonte à morte do poeta surrealista e um de seus fundadores, Rodrigo Hernández Piceros, creio que, assim como Mandrágora, exerce uma influência secreta que pode ser rastreada, por exemplo, em artistas surrealistas, como a colagista Singwan Chong Li. Mantenho uma correspondência ativa com surrealistas da Colômbia, Costa Rica, Espanha, Holanda como: John Sosa, Fercho Cuartas, Alfonso Peña, Miguel Pérez Corrales, Laurens Van Crevel etc.

– Quais são os eixos em que sua arte poética se abriga e se expõe? Eles variaram nestes anos de nós velados, janelas quebradas e anúncios?

– Não houve maior variação em termos de eixos temáticos na minha escrita poética desde Nudos velados, passando naturalmente por Ventanas Quebradas, e chegando a Anuncio, pois linhas de fuga foram estabelecidas desde o meu primeiro livro (conforme foi indicado pelo poeta Antonio Silva) que continuou nos livros seguintes, estabelecendo um permanente estranhamento e me deixando muito envolvido com a ideia de Walter Benjamin: Que a arte não deve buscar o realismo mas provocar uma estranheza, por isso, esperamos ter mantido uma linha de escrita a mais próxima possível daquela aspiração gnóstica de Rimbaud de revelar todos os mistérios. O mortuário, o erótico, o apocalíptico, são constantes que se mantêm nestes três livros, sob a ideia de uma dissociação de uma realidade supostamente objetiva (como aponta o poeta mexicano Alejandro Rejón Huchin a propósito de alguns textos de Anuncio), paralelo a isso também incorporei alguns elementos de imagens hipnagógicas.

Rodrigo Verdugo / Fragmento de entrevista concedida a Ernesto González Barnert, 2023


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Três vezes fui o espírito frisado
Levado nos lábios por furiosas bailarinas
quando jogavam vidraças no mar
ou mais recente quando se formava a matriz do vento, corrompida de estrelas.

Eu amava essas bailarinas furiosas
amava o cheiro de sal de seus átomos
E as possuía cada vez que a górgona me afundava os olhos
Sempre apenas três vezes.

Depois vieram outros para tomar meu lugar
foi inútil, não puderam possuí-las.
Não há lâmpada que resista ao cheiro de sal desses átomos
Todas elas se destroem.

Falo a vocês desde uma besta nublada, perseguindo um estrondo de vidraças
Virão outros que serão como eu, filos enfebrecidos cumprirão meu lado oculto.
Em minha última noite rebentarei a ampola
para que escapam seis vezes as górgonas.

Amanhã como um herói cego ocuparei meu lugar ente o sal e a névoa.


ESTE

A Jorge Cáceres

Sob o onomástico dos machados
Somente os irmãos de sangue podem tocas as emancipações do sol
Estamos amarrados às manchas
Já cruzamos o umbral onde nos pedem em troca
O fio que libera das almas picotadas.
Estamos amarrados às manchas
Entre eco e alento urdimos a altura animal
Nostalgia dos arames que destroem as estrelas
Enterramos a faca até a metade no cavalo marinho
O líquido salto aos olhos nos cega
Soltaram nos pedregais uma correcional de sopros
Os moinhos tropeçam com tua voz, ah eles se eriçam
Os músculos emigram até os corais
São tempos de amálgamas enrijecidos,
De dizer às minhas mãos florescidas aterrissagens
As voltas da terra cruzem cheias de relampados
A alma as sublinha com sangue de seios
São ciclos onde as larvas colam nos talismãs o desmaio
Dos animais etéreos.
Estamos costurados nas manchas
Esperando a chuva como canibais inflamados
Somente a luz leva as ordens das entranhas na testa
Já nada suporta a queimadura da véspera nesta sombra
Assim as gemais confiam e transmitem a cera de seus leitos
Ao túnel que sempre costura o mesmo pranto do peixe
Ali onde dormimos, onde exaltados banhamos o corpo no âmbar
O amanhecer vocifera o larvário
No cárcere de linhas que há debaixo dos lençóis
Há um murmúrio posto para secar
A água talhada nos trapézios
Sem motivo o sol tapa o oco da morte com nossa nudez
Ah a única mancha, novamente recordarei todas as etapas
Tua alma me mostrava as raças da água ao final dos rolamentos
Eu voava com os chicotes sobre os vasos invertidos
Que haviam sobre teu coração
Deixava cair no dia o relâmpago onde se oculta o homem
Quando já não pode dizer nada mais da pedra
A aurora descarregava gargantas de lobos
O penitente telescópico se despia diante de um anel
Escolho o torvelinho como rede e não para me decifrar
Mas para essa eternidade anterior que despenca na noite
Ah a única mancha, ah as essências expulsas
Valho-me do fio sagrado até essa ventilação que desafina deus
Ermitões, somos ermitões desde que o orgasmo aperfeiçoou as raízes
Desde que os coágulos nos disseram que o inferno
Está em posição invertida, caem fechaduras litorais, purificações,
Astros de madeira atados aos tigres em pelo
Tropeçamos e tropeçamos
Apesar das chovediças idades no reflexo.

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